Um roxo na perna e um coração despedaçado

on 11 de junho de 2013

Aquelas 29 crianças não me deixaram dormir. Foi impossível deitar a cabeça no travesseiro e não ouvir a algazarra. Há quase um mês fui convidada pelo grupo de ensino, pesquisa e extensão do qual participo para dar duas oficinas sobre bullying (tema da minha iniciação científica junto a FAPESP e, consequentemente, do meu TCC) para os professores da rede pública de uma determinada escola. Deu um friozinho na barriga, mas aceitei, afinal do que adianta estudar e pesquisar e não colocar nada disso em prática?! A oficina será no 2º semestre. Eu adoro crianças, já trabalhei algumas vezes com elas e é sempre um novo aprendizado. É sempre uma experiência diferente. É sempre apaixonante e instigador. Para poder conversar “adequadamente” com os professores daqui há uns meses resolvi acompanhar a oficina sobre bullying que duas colegas ainda da graduação dariam para os alunos da 6ª série da mesma escola. O material preparado pelas meninas estava ótimo e, teoricamente, era para eu ser um sujeito passivo e observador, mas, chegou um momento que foi impossível não intervir. Deixando de lado como se desenvolveu a oficina, pois este não é o ponto deste texto... eu não consegui dormir e comecei a pensar: COMO fazer aquelas crianças se interessarem pelo tema? COMO fazer aquelas crianças se respeitarem? COMO fazer aquelas crianças ficarem em silêncio por 10 segundos e ouvirem algo? COMO fazer elas participarem? COMO fazer elas pararem de bater uns nos outros? COMO e COMO e COMO??? Estabelecer uma moeda de troca? Fazer dinâmicas em roda? Dividir em pequenos grupos com um “maior responsável”? Perguntas que, talvez, nem um pedagogo ou um professor experiente responda, porque se respondesse a educação no Brasil não estaria neste estado. É clichê falar que falta investimento na educação e, realmente falta, mas não é interesse do nosso sistema que todos recebam educação de qualidade. E, neste sentido, ouvimos professores desacreditados e cansados falando que “educação não é o caminho”. Se educação não é o caminho, qual é o caminho então? As respostas que possivelmente respondem a essa pergunta me assustam. Me senti uma tremenda irresponsável, pois para conseguir me aproximar das crianças conversei sobre a vida pessoal delas...perguntas desde “quantos anos você tem” até o “que você quer ser quando crescer”. Conversei principalmente com as meninas as quais me fizeram várias vezes a seguinte pergunta: “Quando você volta?!”; “Amanhã você estará aqui de novo?!” “Volta!!!” Ou ainda: “Tia, você gosta de dançar funk?!”; “Sabe fazer quadradinho de 8?!” Tentei estabelecer diálogo com os meninos mais arteiros e passei a compreender um pouco deles... Se você senta e conversa com eles, eles param a algazarra e conversam com você. O que falta é atenção e afeto pelo próximo. É triste, é muito triste você ver que são várias as crianças já na 6ª série que mal sabem escrever e, por isso, muitas vezes ficam intimidadas de participar de determinadas atividades. É uma realidade que poucas pessoas conhecem e com a qual eu tive contato algumas vezes, mas, vezes o suficiente para não me deixar encostar a cabeça no travesseiro e dormir. Me senti uma tremenda irresponsável, porque não sei quando voltarei lá para ver essas crianças de novo e, é claro, é cristalino, é óbvio que o que elas precisam é de atenção e alguém que “goste” delas, porque é claro que dentro de casa elas não tem e, muito menos, na escola. A maior parte das crianças é proveniente de famílias desestruturadas, pais drogados, presos, mães prostitutas etc. Ouvi histórias de arrepiar, mas que eu não quero e não posso reproduzir. Qual o ponto em você entrar na vida dessas crianças por 2 horas e “abandona-las”/nunca mais voltar/voltar depois de meses?! Desenvolver o projeto de extensão da faculdade?! Tentar mudar uma realidade de anos em 120 minutos?! Eu acho que mexer com vidas é algo bem maior e precisamos nos atentar a isso. Talvez, seja um “problema” meu que me apego facilmente, talvez não, talvez eu só esteja olhando a situação com uma sensibilidade maior, talvez eu não esteja preparada para esse tipo de trabalho voluntário... bom, não sei, fica a seu cargo leitor formar uma opinião. Ah...o ROXO NA PERNA foi porque um aluno jogou uma carteira e ela tombou bem na hora que eu estava passando na sala de aula. Eu vi que ele não percebeu, foi eu que estava desatenta com todo aquele contexto. O CORAÇÃO DESPEDAÇADO... é porque eu me senti impotente frente a “possível impossibilidade” de mudança daquelas crianças. Sim, eu estou triste e querendo abraçar cada uma delas e falar “Olha, não é bem assim, as coisas podem ser melhores, ok?” O CORAÇÃO DESPEDAÇADO... também é porque eu vi professores desacreditados. Eles são os únicos que não poderiam estar assim e eu sei que a culpa não é deles. É do nosso governo, são das famílias, é do meio social como um todo. Não consegui expressar metade do que eu queria aqui, nem metade do que aconteceu durante essas duas horas de oficina, não consegui expressar metade do que eu pensei, nem metade do que eu gostaria de escrever, porque é “simplesmente difícil” demais. É difícil tratar de algo que os livros não te ensinam, é difícil tratar de algo que foge totalmente do seu controle. Deixo este texto como um início de reflexão para todos... A única certeza que eu tenho é que NÃO PODEMOS DESISTIR DAS NOSSAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. NÃO PODEMOS. p.s.: Desconsiderem eventuais erros de português, estou muito cansada e escrevi tudo isso tentando esvaziar um pouco a minha cabeça para tentar dormir. Egoísta, mas, talvez, por um bom motivo.

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